Capitulo 13

Da arte de semear a discórdia.

Sun Tzu diz: Se, tendo recrutado um exército de cem mil homens, deves conduzi-Ia muito longe, é preciso contar que, dentro e fora, haverá comoção e rumor. As cidades e as aldeias de onde saíram os homens que compõem tuas tropas, os lugarejos e os campos dos quais terás tirado as provisões e todos os suprimentos, o vaivém de pessoas nos caminhos, tudo isso só poderia acontecer ao preço do desalento de muitas famílias, do abandono de muitas terras e de muitas despesas para o Estado.

Milhares de famílias subitamente privadas de arrimo se encontram sem condições de se dedicar a seus trabalhos quotidianos; as terras desprovidas dos braços que as cultivavam diminuem - proporcionalmente aos cuidados recusados - a quantidade e a qualidade de seus frutos.

Os vencimentos de tantos oficiais, o soldo diário de tantos soldados e a manutenção de todo o exército desgastam aos poucos os celeiros e os cofres do príncipe e do povo, até exauri-Ios por completo.

Observar os inimigos ou travar a guerra durante anos consecutivos não significa amar o povo. Significa, antes, ser o inimigo de todo o país. Geralmente, todas as despesas, todos os sofrimentos, todos os trabalhos e todas as agruras de vários anos de guerra limitam-se, para os próprios vencedores, a um único dia de triunfo e de glória: o dia da vitória. Utilizar-se, para vencer, de cercos e batalhas significa que tanto o soberano quanto o general ignoram seu dever: um não sabe governar; o outro não sabe servir o Estado.

Assim, tendo optado pela guerra e tendo aliciado e preparado as tropas, emprega os artifícios.

Procura obter todas as informações sobre o inimigo. Informa-te exatamente de todas as suas relações, suas ligações e interesses recíprocos. Não poupes grandes somas de dinheiro. Não lamentes o dinheiro empregado seja no campo inimigo, para conseguir traidores ou obter conhecimentos exatos, seja para o pagamento dos teus soldados: quanto mais gastares, mais ganharás. É um dinheiro que renderá juros elevados.

Mantém espiões por toda a parte. Informa-te de tudo, nada negligencies do que descobrires. Mas, tendo descoberto algo, sê extremamente discreto.

Quando usares algum artifício, não é pela invocação de espíritos nem pelas conjeturas que alcançarás a vitória. Ela virá apenas do conhecimento exato - baseado no relatório fiel dos teus subordinados - da disposição dos inimigos, em relação àquilo que esperas que eles façam.

Quando um hábil general se põe em movimento, o inimigo já está vencido. Quando ele combate, deve realizar sozinho mais do que todo o seu exército junto, não pela força de seu braço, mas por sua prudência, por seu brio e, sobretudo, por sua argúcia. É preciso que, ao primeiro sinal, uma parte do exército inimigo passe para o seu campo, para combater sob seus estandartes. É preciso que o general seja sempre o árbitro que estipula as condições da paz.

O grande segredo para vencer sempre consiste na arte de semear a divisão: nas cidades e nas aldeias, no exterior, entre inferiores e superiores, de morte, e de vida.

Os cinco tipos de divisão são apenas os galhos de um mesmo tronco. Aquele que sabe empregá-Ios é um homem verdadeiramente digno de comandar. É o tesouro de seu soberano e o sustentáculo do império.

Chamo divisão nas cidades e nas aldeias aquela mediante a qual se consegue conquistar os habitantes das cidades e das aldeias que estão sob dominação inimiga, envolvendo-os para que possam ser usados com segurança, em caso de necessidade.

Chamo divisão exterior aquela mediante a qual se consegue aliciar os oficiais que servem no exército inimigo.

Pela divisão entre inferiores e superiores entendo a que nos coloca em condições de aproveitar a dissensão que semeamos entre os aliados, entre as diferentes guarnições, ou entre os oficiais dos diversos escalões do exército inimigo.

A divisão de morte é aquela pela qual, após dar falsos avisos sobre o estado de nossas forças, espalhamos rumores tendenciosos, inclusive na corte do soberano inimigo, o qual, acreditando na veracidade dos boatos, toma atitudes condizentes com as falsas informações recebidas.

A divisão de vida é aquela mediante a qual se distribui dinheiro em abundância, para todos os desertores do campo inimigo.

Se souberes infiltrar traidores nas cidades e nos vilarejos inimigos, em breve terás ali muitas pessoas inteiramente devotadas. Conhecerás, por seu intermédio, as disposições da maioria em relação a ti. Esses traidores sugerirão a maneira e os meios que deves empregar para conquistar seus mais temíveis compatriotas; e quando chegar o momento de efetuar o cerco, poderás vencer sem dar o assalto, sem desferir nenhum golpe, sem desembainhar a espada.

Se os oficiais inimigos estão em constante desacordo; se desconfianças mútuas, inveja, interesses pessoais os mantêm divididos, poderás facilmente cooptar uma parte deles, pois, por mais virtuosos e mais devotados a seus soberanos, a promessa de vingança, de riquezas ou de postos eminentes bastará para atiçar-Ihes a cobiça. E quando esta estiver acesa em seus corações, tudo farão para satisfazê-Ia.

Se os diferentes destacamentos do exército inimigo não se apóiam mutuamente, se perdem tempo em se vigiar uns aos outros, se procuram se prejudicar, será fácil manter o desentendimento e fomentar a divisão. Eles se destruirão aos poucos, sem que nenhum deles tome abertamente o teu partido. Todos te servirão involuntariamente, à revelia.

Se tiveres espalhado boatos falsos junto à corte e ao conselho do príncipe inimigo, dando a entender que deténs informações errôneas sobre eles; se tiveres disseminado suspeitas a respeito da lealdade dos súditos mais fiéis ao príncipe, em breve verás que, entre os inimigos, a desconfiança tomou o lugar da confiança, as recompensas substituíram os castigos e vice-versa, e os mais leves indícios serão considerados provas convincentes, passíveis de levar à morte qualquer suspeito.

Então, os melhores oficiais, os ministros mais esclarecidos desanimarão, seu zelo diminuirá, e vendo-se sem esperança de melhor sorte, se refugiarão sob tuas bandeiras para se livrar dos temores que os angustiavam em permanência, e também para salvar a pele.

Seus pais, seus aliados ou seus amigos serão acusados, perseguidos, condenados à morte. As conspirações se formarão, a ambição vicejará, só haverá perfídias, execuções, desordens e revoltas generalizadas.

O que estás esperando para apoderar-te de um reino cujos habitantes já te consideram como senhor?

Se recompensares aqueles que passaram para teu campo para se livrarem dos justos temores que os agitavam em permanência, e para salvarem a vida; se lhes deres emprego, seus pais, aliados, amigos serão outros súditos que conquistarás para teu príncipe.

Se espalhares dinheiro à vontade, se tratares bem a todos, se impedires que teus soldados devastem os lugares por onde passarem, se os povos vencidos não sofrerem nenhum prejuízo, assegura-te que eles já foram conquistados, e a tua boa reputação atrairá mais súditos para teu soberano e mais cidades para seu domínio do que as mais brilhantes vitórias.

Sê vigilante e esclarecido. Mostra, no exterior, segurança, simplicidade e impassibilidade. Fica sempre de sobreaviso, embora aparentes serenidade. Desconfia de tudo, apesar de pareceres confiante. Sê extremamente secreto, embora pareças fazer tudo a descoberto. Mantém espiões por toda a parte. Em vez de palavras, emprega sinais. Vê pela boca, fala pelos olhos. Isso não é fácil, é muito difícil. Algumas vezes a gente se engana quando acredita enganar os outros. Só um homem de uma prudência consumada, um homem extremamente esclarecido, um sábio de primeira linha pode usar adequadamente e com sucesso o artifício das divisões. Se não fores tal homem, deves renunciar. O uso que farás das divisões se voltará contra ti.

Após teres engendrado algum projeto, se ficares sabendo que teu segredo vazou, condena à morte sem remissão tanto os que o divulgaram quanto os que tiveram acesso a ele. Estes últimos são inocentes, mas poderiam tornar-se culpados. A morte dos envolvidos salvará a vida de milhares de homens e assegurará a fidelidade de maior número ainda.

Pune severamente, recompensa com prodigalidade, multiplica os espiões, espalha-os em toda a parte, no próprio palácio do inimigo, nos aposentos de seus ministros, sob as tendas de seus generais. Mantém uma lista dos principais oficiais que estão a seu serviço. Conhece seus nomes, sobrenomes, o número de seus filhos, de seus parentes, de seus amigos, de seus servos. Que nada se passe na casa deles sem que estejas informado.

Manterás espiões por toda a parte. Deves supor que o inimigo fará o mesmo. Se chegas a descobri-Ias, evita condená-Ias à morte. Seus dias devem ser-te infinitamente preciosos. Os espiões dos inimigos te servirão eficazmente, se controlares tuas próprias atitudes, tuas palavras e todas as tuas ações. Assim, eles só darão falsas pistas aos seus mandatários.

Enfim, um bom general deve tirar partido de tudo. Nada deve surpreendê-Ia, aconteça o que acontecer. Mas, acima de tudo, deve colocar em prática os cinco tipos de divisão. Nada é impossível a quem lança mão do artifício da divisão.

Defender os Estados de seu soberano, ampliá-Ias, realizar diariamente novas conquistas, exterminar os inimigos, fundar até mesmo novas dinastias, tudo isso pode ser o efeito de dissensões semeadas adequadamente.

Este foi o caminho que permitiu o advento das dinastias Yin e Cheu, onde trânsfugas contribuíram para sua elevação.

Que livro faz a apologia desses grandes ministros? A História chamou- os alguma vez de traidores da pátria, ou considerou-os como rebeldes a seus soberanos? Somente um príncipe esclarecido e um general digno podem aliciar os espíritos mais penetrantes e realizar feitos notáveis. Um exército sem agentes secretos é um homem cego e surdo.