Capitulo 6

Do cheio e do vazio

Sun Tzu diz: Uma das tarefas essenciais que deves realizar antes do combate é escolher criteriosamente o terreno do campo de batalha. Para isso, é preciso agir rápido. Não permitas que o inimigo tome a dianteira. Ocupa o terreno antes que ele tenha tempo de te reconhecer, antes mesmo que ele possa estar ciente de tua marcha. Qualquer negligência nesse sentido pode ter conseqüências nefastas. Em geral, só há desvantagem em ocupar o terreno depois do adversário.

O comandante de um exército não deve se fiar em ninguém para uma escolha de tal relevância. Ele deve fazer algo mais. Se for verdadeiramente hábil, escolherá tanto o próprio local do acampamento quanto controlará todos os movimentos do inimigo.

Quem consegue fazer com que o inimigo venha espontaneamente oferece-lhe alguma vantagem. Quem deseja impedi-Io, prejudica-o. Um grande general não é arrastado ao combate; ao contrário, sabe impô-Io ao inimigo. Se quiseres que o inimigo marche, de livre e espontânea vontade, para lugares aonde queres precisamente atraí-Io, procura dirimir todas as dificuldades e suspender todos os obstáculos; pois deves prever que, alarmado pelo temor, ou pelos inconvenientes demasiado evidentes, ele renuncie a seu projeto.

A grande sabedoria é obter do adversário tudo o que desejas, fazendo com seus atos redundem em benefícios para ti.

Decidido o lugar de teu acampamento e o do inimigo, espera tranqüilamente que ele faça as primeiras movimentações. Mas, aguardando, procura aguçar-lhe a fome no meio da abundância; submetê-Io ao barulho quando ele descansa, e angustiá-Io quando está tranqüilo.

Se, depois de esperar muito tempo, observas que o inimigo não se dispõe a sair de seu campo, sai do teu. Mediante teu movimento, provoca o dele. Alarma-o freqüentemente. Procura induzi-Io a cometer alguma imprudência da qual poderás tirar proveito.

Quando vigiares, vigia atentamente: não durmas. Quando avançares, avança resolutamente, trilhando com segurança caminhos que só tu conheces.

Desloca-te para lugares onde o inimigo não desconfie que pretendas ir. Surge de repente onde ele não te aguarda e arremete quando ele menos espera.

Para teres certeza de que tomarás posse daquilo que atacas, deves atacar um local desprotegido. Para teres certeza de conservar o que defendes, deves defender um lugar que o inimigo não ataca.

Se em tuas marchas e contramarchas percorreste muitas léguas sem sofrer nenhum revés, sem ter sido interceptado nenhuma vez, algumas conclusões se impõem: o inimigo ignora teus projetos; ele tem medo de ti; ou ainda, ele não vigia os postos que podem ser importantes para ele. Evita cair em erro semelhante.

A grande arte de um general é fazer com que o inimigo ignore sempre o lugar onde terá que combater, impedindo que conheça os postos relevantes. O general que conseguir isso, e puder, ademais, camuflar todos os seus passos, não é apenas hábil e extraordinário, é um prodígio. Sem ser visto, vê; sem ser ouvido, ouve. Age em silêncio e tem em suas mãos o destino dos inimigos.

Uma vez dispostos os exércitos, se não notares um vazio que possa te favorecer, não tentes investir contra os batalhões inimigos. Se, ao fugirem ou recuarem, eles agirem com extrema presteza e de forma ordenada, não os persigas. Perseguindo-os, nunca vás longe demais nem em territórios desconhecidos.

Quando pretenderes iniciar o combate, se os inimigos permanecerem em suas trincheiras, não os ataques ali, sobretudo se estiverem bem entrincheirados, ou protegidos por fossos profundos ou por muralhas elevadas. Ao contrário, se pensas que não convém travar combate e queres evitá-Io, permanece em tuas trincheiras, preparando-te para responder ao ataque e realizar algumas ofensivas úteis.

Deixa que os inimigos se cansem. Espera que fiquem em desordem ou em pânico. Então, poderás sair e atacá-Ios com vantagem.

Jamais dividas os diferentes corpos de teus exércitos. Faz com que possam sempre socorrer-se mutuamente. Por outro lado, faz com que o inimigo se divida ao máximo. Se ele se dividir em dez corpos, ataca cada um deles separadamente com teu exército inteiro. É o verdadeiro método de combater sempre com vantagem. Dessa forma, por menor que seja teu exército, estarás sempre em maioria.

Que o inimigo nunca saiba como pretendes combater, nem como vais atacá-Io, ou defender-te. Ignorando tuas intenções, o inimigo fará grandes preparativos, tentará fortalecer-se de todos os lados, dividindo as forças, e isso o levará inevitavelmente à derrocada. Pois, preparando-se na vanguarda, sua retaguarda ficará vulnerável. Preparando-se na retaguarda, sua vanguarda se debilitará. Preparando-se à esquerda, sua direita ficará vulnerável. Preparando- se em todas as direções, ficará vulnerável em todas elas.

Quanto a ti, faz exatamente o contrário: que tuas principais forças concentrem-se todas do mesmo lado. Se quiseres atacar de frente, escolhe um setor e coloca à frente de tuas tropas o que tens de melhor. Resiste-se raramente a uma primeira arremetida, pois quem leva a pior, dificilmente se recupera. O exemplo dos valentes é suficiente para encorajar os covardes. Estes seguem facilmente o caminho apontado, mas não poderiam por si mesmos descobri-Ios. Se quiseres atacar pela ala esquerda, concentra todos os teus preparativos desse lado, colocando na ala direita o que tens de mais fraco. Se quiseres vencer pela ala direita, que seja também na ala direita que estejam tuas melhores tropas e toda a tua vigilância.

Quem dispõe de poucos homens, deve preparar-se contra o inimigo. Quem tem muitos, deve forçar o inimigo a preparar-se.

Isso não é tudo. Assim como é essencial que conheças a fundo o lugar em que deves combater, não é menos importante que saibas o dia, a hora, o momento exato do combate. Trata-se de um cálculo que não convém negligenciar. Se o inimigo está longe de ti, procura informar-te, diariamente, do caminho que ele faz. Segue-o passo a passo, embora em aparência permaneças imóvel em teu campo. Perscruta todos os seus atos, embora teus olhos não possam alcançá-Io. Escuta todos os seus discursos, embora não possas ouvi-Io. Sê testemunha de toda a sua conduta. Penetra mesmo no Íntimo de seu coração, para ali leres os temores e as esperanças recônditas.

Tendo pleno conhecimento de todos os projetos, de todos os movimentos, de todas as ações do inimigo, farás com que, a cada dia, ele venha precisamente onde queres que ele venha. Nesse caso, tu o obrigarás a acampar de forma tal que a vanguarda de seu exército não possa receber reforço da retaguarda, que a ala direita não possa ajudar a esquerda, e tu o combaterás assim, no lugar e no momento que estipulares.

Antes do dia determinado para o combate, não estejas nem longe nem perto demais do inimigo. O espaço de algumas léguas é o limite mais próximo, e dez léguas inteiras é o maior espaço que deves deixar entre teu exército e o do inimigo.

Não procures ter um exército numeroso demais. Amiúde, a excessiva quantidade de gente é mais nociva do que útil. Um pequeno exército bem disciplinado é invencível, sob o comando de um bom general. Para que serviram ao rei de Yue as belas e numerosas coortes de que dispunha, na guerra contra o rei de Wu? Este, com poucas tropas, com um punhado de gente, o venceu, o derrotou, não lhe deixando, de todos os seus Estados, senão a lembrança amarga, e a vergonha eterna por tê-Ios tão mal governado.

Digo que a vitória pode ser forjada. Mesmo quando o inimigo é numeroso, posso impedi-Io de iniciar o combate; pois, se ele ignora minha força, posso fazer com que ele se concentre em sua própria preparação: assim, tiro-lhe a tranqüilidade de fazer planos para me derrotar.

  1. Sonda os planos do inimigo e saberás qual estratégia será coroada de êxito e qual está fadada ao fracasso.
  2. Perturba o inimigo e faz com que ele revele seus movimentos.
  3. Descobre a disposição tática do inimigo e faz com que ele exponha seu local de batalha.
  4. Coloca-o à prova e descobre onde sua força é pujante e onde é deficiente.
  5. A suprema tática consiste em dispor as tropas sem forma aparente. Então, os espiões mais penetrantes nada podem farejar, nem os sábios mais experientes poderão fazer planos contra ti.
  6. Estabeleço planos para a vitória segundo essas táticas, mas o vulgo tem dificuldades em compreendê-Ias. Todos são capazes de ver os aspectos exteriores, mas ninguém pode compreender o caminho segundo o qual forjei a vitória.
  7. Jamais repitas uma tática vitoriosa, mas responde às circunstâncias segundo uma variedade infinita de métodos.

Entretanto, se teu exército for pequeno, não vás inadvertidamente medir- te com um exército numeroso. Deves tomar muitas precauções antes de chegar a esse ponto. Quando se tem os conhecimentos de que falei acima, sabe-se quando convém atacar, ou manter-se na defensiva. Sabe-se quando é preciso ficar calmo, e quando é tempo de colocar-se em movimento. Forçado a combater, sabe-se quem vencerá e quem será vencido. Pela simples análise do comportamento dos inimigos, pode-se concluir pela sua vitória ou sua derrota. Repito: se quiseres atacar primeiro, não o faças antes de examinar se tens tudo para triunfar.

No momento de deflagrar a ação, perscruta os olhares de teus soldados. Atenta a seus primeiros movimentos. Pelo entusiasmo ou pelo temor que ostentarem, conclui pelo sucesso ou pela derrota. A primeira atitude de um exército prestes. a iniciar o combate é reveladora. Certos exércitos conseguiram retumbantes vitórias, mas teriam sido derrotados caso a batalha tivesse acontecido um dia antes, ou algumas horas depois.

No momento de deflagrar a ação, perscruta os olhares de teus soldados.

Se a nascente for elevada, as águas correm rapidamente. Se estiver ao rés do chão, seus movimentos são imperceptíveis. Ao se deparar com algum vazio, a água o preenche, assim que encontra qualquer escoadouro que a favoreça. Se encontrar lugares cheios, tenta naturalmente espraiar-se em outros locais.

Ao percorrer as fileiras de teu exército, se notares algum vazio, preenche-o. Se encontrares superabundância, reduz. Se perceberes algo alto demais, abaixa. Se houver algo excessivamente baixo, eleva.

Ao longo de seu curso, a água molda-se ao terreno onde corre. Da mesma forma, teu exército deve adaptar-se ao terreno onde se move. A água sem queda não pode correr; tropas mal conduzidas não podem vencer.

O general hábil tirará partido de todas as circunstâncias, inclusive as mais perigosas e as mais críticas. Sabe manipular não somente o exército que comanda, mas também o dos inimigos.

As tropas, quaisquer que sejam, não têm qualidades constantes que as tornem invencíveis. Os piores soldados podem transformar-se, revelando-se excelentes guerreiros.

Segue esse princípio. Não deixes escapar nenhuma oportunidade. Os cinco elementos não se encontram sempre juntos, tampouco são igualmente puros. As quatro estações não se sucedem da mesma maneira a cada ano. O alvorecer e o poente não estão sempre no mesmo ponto do horizonte. Alguns dias são longos; outros, curtos. A lua cresce e decresce e nem sempre é brilhante. Um exército bem comandado e bem disciplinado imita todas essas variedades, apresentando-se multifacetado, em função das circunstâncias e dos inimigos.