Capitulo 8

Da arte das mudanças.

Sun Tzu diz: Geralmente o comando dos exércitos cabe ao general, depois que o soberano lhe deu o mandato para mobilizar o povo e recrutar as tropas.

  1. Conhece o terreno. Se estiveres em lugares pantanosos, passíveis de inundação, cobertos de espessas florestas, cheios de desfiladeiros, inundados, desertos e áridos, ou seja, em lugares onde não poderás obter reforço com facilidade, e onde não terás nenhum apoio, tenta sair o mais rápido possível. Procura instalar tuas tropas em lugar espaçoso e vasto, de onde possam se retirar facilmente e onde tens aliados possam, sem dificuldade, aportar-te a ajuda providencial.
  2. Evita, com extrema atenção, acampar em lugares isolados. Se a necessidade te obrigar, só permaneças o tempo necessário para escapulir. Toma rapidamente medidas eficazes para safar-te de forma segura e ordenada.
  3. Encontrando-te em lugares afastados de fontes, riachos ou poços, onde dificilmente encontrarás víveres e forragem, não demores para fugir. Antes de levantar acampamento, observa se o lugar que escolheste está abrigado por alguma montanha, que te colocará a salvo das surpresas do inimigo. Verifica as vias de acesso, e se tens as facilidades necessárias para conseguir víveres e outras provisões. Em caso positivo, não hesites em tomar posse do terreno.
  4. Encontrando-te em um campo de morte, busca o combate. Chamo de lugar de morte esses ermos onde não há nenhum recurso, onde se definha inelutavelmente pela insalubridade do ar, onde as provisões mínguam sem esperança de serem repostas; onde as doenças começam a grassar no exército, prenunciando grandes flagelos. Se te encontrares em tais circunstâncias, precipita-te em deflagrar o combate. Asseguro-te que tuas tropas se mostrarão intrépidas no combate. Morrer pela mão do inimigo lhes parecerá suave em comparação com todos os males que as atormentam.
  5. Se, por acaso ou por erro, teu exército se encontrar em lugares inóspitos, cercado de desfiladeiros, onde o inimigo facilmente poderia colocar emboscadas, de onde seria difícil fugir em caso de perseguição, onde poderiam interceptar teus víveres e armar ciladas nos caminhos, evita com cuidado atacar em tal terreno. Mas, se o inimigo te encurralar em semelhante local, combata até a morte. Não te contentes com uma 'pequena vantagem ou com meia vitória. Isso poderia ser um engodo para te fulminar por completo. Permanece de sobreaviso, mesmo depois de obteres todas as aparências de uma vitória completa.
  6. Sabendo que uma cidade, por menor que seja, está bem fortificada e tem munições e víveres em abundância, evita sitiá-Ia. Se só fores informado da situação depois de começado o cerco, não te obstines em prossegui-Io. Corres o risco de ver todas as tuas forças fracassarem contra essa praça, e serás constrangido a abandoná-Ia vergonhosamente.
  7. Não desprezes nenhuma pequena vantagem que puderes obter de forma segura e sem nenhuma perda. Essas pequenas vantagens, quando negligenciadas, geram prejuízos irreparáveis.
  8. Antes de pensar em conseguir alguma vantagem, compara-a com o trabalho, a fadiga, as despesas e as perdas humanas e de munições que ela poderá ocasionar. Avalia se poderás conservá- Ia facilmente. Só depois de ponderar é que te decidirás a aproveitar ou a abandonar tal vantagem, guiando-te por uma sábia prudência.
  9. Nas ocasiões em que for necessário tomar imediatamente uma decisão, não esperes as ordens do príncipe. Se tiveres que desobedecer ordens recebidas, não hesites, age sem medo. A principal intenção do príncipe que te colocou à frente dos exércitos é venceres o inimigo. Se ele tivesse previsto as circunstâncias em que te encontras, certamente tomaria a decisão que queres tomar.

Essas são as nove variáveis ou nove circunstâncias principais que devem te engajar a mudar o comando ou a posição de teu exército, a mudar a situação, a ir ou vir, a atacar ou se defender, a agir ou permanecer em repouso. Um bom general não deve jamais dizer: Aconteça o que acontecer, farei tal coisa. Irei lá, atacarei o inimigo, sitiarei tal praça. Somente as circunstâncias devem ditar a conduta. Ele não deve ater-se a um sistema geral, nem a uma maneira única de comandar. Cada dia, cada ocasião, cada circunstância requer uma aplicação particular dos mesmos princípios. Os princípios são bons em si mesmos; sua aplicação os torna amiúde nefastos.

O general deve conhecer a arte das mudanças. Se ele se fixa em um conhecimento vago de certos princípios, em uma aplicação rotineira das regras da arte bélica, se seus métodos de comando são inflexíveis, se examina as situações de acordo com esquemas prévios, se toma suas resoluções de maneira mecânica, é indigno de comandar.

Um general é um homem que, pelo nível que ocupa, se encontra acima de uma multidão de outros homens. Por conseguinte, deve saber governar os homens. É preciso que saiba conduzi-Ios. É preciso que esteja verdadeiramente acima deles, não apenas por sua dignidade, mas por seu espírito, por seu saber, por sua capacidade, por sua conduta, por sua firmeza, por sua coragem e por suas virtudes. É preciso que saiba distinguir as vantagens verdadeiras das falsas; as perdas reais das aparentes; que saiba aplicar a arte da compensação e tirar partido de tudo. É preciso que saiba empregar corretamente certos artifícios para enganar o inimigo, e se mantenha sempre alerta para não ser enganado.

Um general não deve ignorar nenhuma armadilha que podem lhe colocar. Deve decifrar todos os artifícios do inimigo, quaisquer que sejam, mas nem por isso deve querer adivinhar.

Mantém-te de prontidão, vê quando o inimigo chega, perscruta suas atitudes e sua conduta e tira conclusões. Procedendo assim, não corres o risco de te enganares e de seres ludibriado ou vitimado por conjeturas precipitadas.

Se não quiseres ser esmagado pela infinidade de trabalhos e sofrimentos, prepara-te sempre para o pior. Trabalha sem cessar para prejudicar o inimigo. Poderás fazê-Io de diferentes formas, mas eis o que há de essencial neste tópico.

Lança mão de tudo para corromper seus melhores homens: oferendas, presentes, afeição, nada omitas. Se preciso for, suborna. Engaja pessoas dignas do campo adversário para praticarem ações vergonhosas e indignas de sua reputação, ações das quais elas se envergonharão quando descobertas, e não deixes de divulgá-Ias amplamente.

Mantém ligações secretas com os elementos mais corruptos do campo inimigo; serve-te deles para alcançar teus fins, agregando outros corrompidos.

Contraria o comando do inimigo, semeia a dissensão entre seus chefes, fornece motivos de cólera a uns contra outros, faz com que murmurem contra seus oficiais, amotina os oficiais subalternos contra seus superiores. Intercepta- lhes víveres e munições. Semeia entre eles melodias voluptuosas para lhes estiolar o coração. Envia-Ihes mulheres para acabar de corrompê-los. Faz com que saiam quando conviria que ficassem acampados, e permaneçam tranqüilos quando urgiria que atacassem. Dissemina ininterruptamente falsos alarmas e falsos avisos. Conquista, para tua causa, os governadores de províncias inimigas. Eis aproximadamente o que deves fazer, se queres ludibriar, usando habilidade e astúcia.

Os generais que brilhavam entre os antigos eram homens sábios, previdentes, intrépidos e afeitos ao trabalho. Tinham sempre os sabres à mão. Jamais presumiam que o inimigo não viria, estavam prontos para qualquer eventualidade. Tornavam-se invencíveis e, deparando-se com o inimigo, não necessitavam esperar reforço para bater-se. As tropas que comandavam eram bem disciplinadas, e sempre dispostas a investir, ao primeiro sinal do comandante.

Entre eles, a leitura e o estudo precediam a guerra e os preparavam para ela. Defendiam com cuidado suas fronteiras, e fortificavam suas cidades. Não investiam contra o inimigo, quando sabiam que este estava preparado. Atacavam pelo lado mais fraco, quando suas tropas estavam indolentes e ociosas.

Antes de terminar este capítulo, devo te prevenir contra cinco defeitos que, embora pareçam inócuos, são perniciosos e representam obstáculos funestos que derrotaram a prudência e a bravura mais de uma vez.

Um general hábil evita todos esses defeitos. Sem procurar desesperadamente viver ou morrer, deve conduzir-se com prudência e coragem, segundo as circunstâncias.

Se há justas razões para se encolerizar, que o faça, mas não imite a ferocidade do tigre.

Se crê que sua honra está maculada e quer repará-Ia, que siga as regras da sabedoria, e não a suscetibilidade advinda de uma reputação comprometida.

Que ame seus soldados e os poupe, mas com moderação.

Combatendo, movimentando-se, sitiando cidades, fazendo ofensivas, deve conjugar a astúcia à valentia, a sabedoria à força das armas. Deve saber reparar seus erros, quando tiver a infelicidade de cometê-los, aproveitando todos os erros do inimigo e induzindo-o a cometer outros.